O Grito do Ipiranga não teve qualquer repercussão
na época.
Lucia Bastos
“Independência ou Morte!” Consagrado
pela História, o Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, quase não causou
repercussão entre seus contemporâneos. Na imprensa do Rio de Janeiro, somente o
número de 20 de setembro do jornal O Espelho exaltou “o grito acorde de todos
os brasileiros”. Na prática, a Independência estava longe de chegar.
Três séculos depois do descobrimento, o Brasil não passava de cinco regiões
distintas, que compartilhavam a mesma língua, a mesma religião e, sobretudo, a
aversão ou o desprezo pelos naturais do reino, como definiu o historiador
Capistrano de Abreu. Em 1808, os ventos começaram a mudar. A vinda da Corte e a
presença inédita de um soberano em terras americanas motivaram novas esperanças
entre a elite intelectual luso-brasileira. Àquela altura, ninguém vislumbrava a
ideia de uma separação, mas esperava-se ao menos que a metrópole deixasse de
ser tão centralizadora em suas políticas. Vã ilusão: o império instalado no Rio
de Janeiro simplesmente copiou as principais estruturas administrativas de
Portugal, o que contribuiu para reforçar o lugar central da metrópole, agora na
América, não só em relação às demais capitanias do Brasil, mas até ao próprio
território europeu.
O auge do questionamento das práticas do Antigo Regime aconteceu em 24 de
agosto de 1820, quando estourou a Revolução Liberal do Porto. Clamava-se por
uma Constituição baseada nas liberdades e direitos do liberalismo nascente. A
revolução teve importante eco no Brasil, por meio de uma espantosa quantidade
de jornais e folhetos políticos. Durante todo o ano de 1821, porém, não surgiu
nesses impressos qualquer proposta favorável à emancipação.
Até o início de 1822, ninguém falava
de Brasil. Ao partir para as Cortes de Lisboa, para a discussão da Constituição
do Reino, os deputados americanos pensavam apenas em suas “pátrias locais”, ou
seja, em suas províncias. Só os paulistas demonstraram alguma preocupação em construir
uma proposta para o conjunto da América portuguesa. Nem por isso abriam mão da
integridade do Reino Unido: sugeriam o Brasil como sede da monarquia, ou então
a alternância da residência do rei entre um lado e outro do Atlântico.
“Independência” significava, antes de mais nada, autonomia.
Ao longo daquele ano, porém, o discurso se radicalizou. A insatisfação com a
metrópole crescia, pois das Cortes vinham propostas para retomar algumas das
antigas restrições políticas e econômicas que tinham limitado a autonomia do
Brasil no passado. Junto com o projeto constitucionalista surgia a ideia
separatista, embora ainda não direcionada a toda a América portuguesa.
Considerada na época como a data que oficializou a separação do Brasil de sua
antiga metrópole, a aclamação de Pedro I como imperador, em 12 de outubro de
1822, não significou a unidade política do novo Império. A proposta foi aceita
pelas Câmaras Municipais de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Pernambuco titubeou durante algum tempo. Por
causa das dificuldades de comunicação, Goiás e Mato Grosso só prestaram
juramento de fidelidade ao Império em janeiro de 1823. Enquanto isso, Pará,
Maranhão, Piauí e Ceará, além de parte da Bahia e da província Cisplatina, permaneceram
leais a Portugal, refratárias ao governo do Rio de Janeiro. Foram tempos de
guerra. No início de 1823, enquanto várias províncias já escolhiam seus
deputados para a Assembleia Legislativa e Constituinte do Rio de Janeiro, o
Maranhão elegia deputados para as Cortes ordinárias de Portugal.
Enfim, apesar dos horrores da guerra e das tensões que não desapareceram,
esboçou-se pela força a unidade territorial do Brasil. Mas o rompimento total e
definitivo mantinha-se sub judice. Afinal, o imperador era português e sucessor
do trono dos Bragança. Capaz, portanto, de reunir novamente, após a morte do
pai, os dois territórios que o Atlântico separava.
Somente em 1825, depois de demoradas negociações, D. João VI reconheceu a
Independência, em troca de indenizações. Mesmo assim, o gesto veio sob a forma
de concessão, transferindo a soberania do reino português, que ele detinha,
para o reino do Brasil, sob a autoridade de seu filho. E D. João foi além:
reservou para si o título de imperador do novo país, registrado nos documentos
que assinou até sua morte, em 1826.
Os laços de sangue faziam da Independência um processo ambíguo e parcial. Foi
preciso esperar outra data, a da abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de
1831, para que se rompesse definitivamente qualquer vínculo do Brasil com
Portugal. Assumia o poder um soberano-menino, também ele um Bragança, mas
nascido e criado no Brasil. No linguajar dos exaltados do período regencial,
acabava-se “a farsa da independência Ipiranga”.
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